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quinta-feira, 6 de julho de 2006

Marilena Chauí critica a mídia

A filósofa Marilena Chauí abriu o 32º Congresso Nacional dos Jornalistas, em Ouro Preto (MG), nesta quarta-feira, 5, com o tema mídia e poder. Crítica contumaz da mídia, ela expôs que o jornalismo está ficando cada vez mais rápido, barato e inexato. “Baseado em buscas aleatórias, o jornalismo se tornou hoje um dos principais protagonistas da destruição da opinião pública”, diz Chauí.
Com a onda do neoliberalismo instalada pelo mundo, a professora da USP ressalta o encolhimento do espaço público e o alargamento do espaço privado, onde poucos conglomerados detêm o poder da comunicação. Com isso o gigantesco poder está com o capital, que transformou os meios de comunicação de massa numa indústria onde a notícia é banalizada.
Chauí observa ainda que há uma verdadeira saturação de informações, mas no fundo nada sabemos, porque as reflexões sobre as referências políticas, sociais e históricas, com suas causas e conseqüências, não são exercitadas. Em lugar de opinião pública, os veículos de comunicação produzem manifestação do sentimento da massa, já que todos os assuntos são uma questão de gosto, de preferência e não de pensamento, de julgamento, diz a professora.
“A mídia está imersa na cultura do narcisismo”, declara Chauí, não sem antes dizer que isto acontece no mundo todo e não só aqui no Brasil. Como exemplo ela citou o Big Brother Brasil, onde as pessoas ficam diante da televisão ávidas por informações sobre a intimidade e a privacidade alheia. O mesmo acontece nos programas de auditório e também no rádio, onde além de expor a intimidade das pessoas, nos ensinam como devemos falar, comer, andar, vestir etc, como se nada soubéssemos.
Para Marilena Chauí o especialista competente divulga saber, explica e interpreta a notícia. No caso da mídia hoje, as notícias são passadas de maneira a impedir que se possa localizá-la no tempo e no espaço. O noticiário fútil e com uma construção sistematizada e deliberada de uma ordem apaziguadora exerce o poder da desinformação e nos transmite a idéia, que apesar dos pesares, o mundo vai bem, obrigado.

Fonte: Jornalistas de Minas

segunda-feira, 3 de julho de 2006

O sonho chega ao fim

Mateus Rodrigo Nascimento (trankgoku@hotmail.com)

Depois da desclassificação, o brasileiro permanece sem reação e com um forte sentimento melancólico dentro do peito. A Copa da Alemanha parecia algo fácil, o hexa estava a cada dia mais próximo. A seleção brasileira era vista como uma equipe “mágica”, com jogadores extremamente habilidosos e consagrados dentro dos seus clubes.

Mas nos deparamos com outra realidade na última partida contra a França. Vimos uma seleção brasileira apática, nervosa, embalada pelo individualismo e falta de criatividade. Com uma zaga impecável, mas com um ataque deficiente. Uma equipe do qual se esperava arte e alegria, mas que não foi capaz de mostrar dentro de campo o mínimo que se espera de jogadores profissionais: “Futebol”. Uma mera obrigação.

Lágrimas desceram pelos rostos dos torcedores, alguns movidos pela raiva, outros pela dor. A festa estava armada, ficamos sem reação diante de tanta ignorância e incompetência por parte de um treinador.

O sonho chega ao fim, o hexa campeonato mundial foi adiado para os próximos quatro anos. Saímos tristes, com o orgulho ferido, sim! Mas orgulhosos em sermos brasileiros...

domingo, 2 de julho de 2006

A renúncia à arte de ver

Carlos Chaparro (www.comunique-se.com.br)

O XIS DA QUESTÃO – Escreveu Helen Keller: Eu, que sou cega, posso dar uma sugestão àqueles que vêem: usem seus olhos como se amanhã fossem perder a visão. É o primeiro ponto de um belo roteiro para despertar e sacudir a criatividade jornalística, anestesiada e deseducada pela cultura racional dos manuais de redação.

1. A vida, nos detalhes

A minha formação jornalística se iniciou, sem que o soubesse, quando, cinqüenta anos atrás, no idealismo da militância operária em que andei envolvido, agucei a sensibilidade para a captação dos pequenos fatos do cotidiano, nos ambientes onde vivia e trabalhava. Saber “olhar e ouvir” era a base do nosso trabalho de reflexão, para a ação. Depois, nas discussões, havia um método que orientava a construção de conexões entre as ocorrências observadas pelo grupo. Tratava-se de um processo extraordinariamente lúcido de elaborar sentidos e significações, na leitura da vida real. E que tornava possível descobrir como, nos fatos corriqueiros do dia-a-dia, se manifestavam as mais complicadas realidades dos trabalhadores - o que dava rumo às lutas por transformações.Graças a essa educação militante, aprendi a observar detalhes, e a lhes atribuir significados, entendendo-os como manifestações de realidades ocultas.Isso me ajudou a ser repórter obsessivamente observador. E a cedo descobrir que, sem a riqueza descritiva dos detalhes, não há como dar vida, nem beleza, à narração de ações e emoções humanas, nossa arte. Porque a vida se revela nos detalhes. Quem não os capta deixa escapar a vida.Talvez esteja aí, na renúncia aos detalhes, ou na incapacidade de entendê-los, o mal maior da reportagem, no jornalismo brasileiro de hoje. E eis aí o assunto que proponho ao debate.Para ajudar à discussão, aproveito, em trechos, um texto maravilhoso de Helen Keller, que alguém me enviou dias atrás. Trata-se de um pequeno mas precioso ensaio publicado há 70 anos, no Reader’s Digest (Seleções). Sem poder enxergar nem ouvir o mundo, Helen Keller, como todos sabemos, inventou formas de o ver e sentir, e de com o mundo dialogar intensamente, para o aperfeiçoar. Cega e surda desde bebê, ela viveu 88 anos (1880-1968). Aprendeu a ler, a escrever e a falar, diplomou-se com louvor, em 1904, pelo Radcliffe College (Cambridge) e tornou-se conferencista e escritora de referência, autora dos livros A história da minha vida (1903) e O diário de Helen Keller (1938).Vale a pena aprender com ela.

2. Modos de cegueira

O ensaio publicado na Seleções começa assim:“Várias vezes pensei que seria uma benção se todo ser humano, de repente, ficasse cego e surdo por alguns dias, no princípio da vida adulta. As trevas o fariam apreciar mais a visão e o silêncio lhe ensinaria as alegrias do som.”“De vez em quando” – continua – “testo meus amigos que enxergam, para descobrir o que eles vêem. Há pouco tempo, perguntei a uma amiga, que voltava de um longo passeio pelo bosque, o que ela observara. ‘Nada de especial’, foi a resposta.”“Como é possível, pensei, caminhar durante uma hora pelos bosques e não ver nada digno de nota? Eu, que não posso ver, apenas pelo tato encontro centenas de objetos que me interessam. Sinto a delicada simetria de uma folha. Passo as mãos pela casca lisa de uma bétula ou pelo tronco áspero de um pinheiro. Na primavera, toco os galhos das árvores na esperança de encontrar um botão, o primeiro sinal da natureza despertando após o sono do inverno. Por vezes, quando tenho muita sorte, pouso suavemente a mão numa arvorezinha e sinto o palpitar feliz de um pássaro cantando.”Mais adiante, Helen Keller desenvolve o exercício de imaginar o que gostaria de ver, se pudesse enxergar ao menos por três dias."No primeiro dia, gostaria de ver as pessoas. (...) Não sei o que olhar dentro do coração de um amigo pelas ‘janelas da alma’, os olhos. Só consigo ‘ver’ as linhas de um rosto por meio das pontas dos dedos. Posso perceber o riso, a tristeza e muitas outras emoções. Conheço meus amigos pelo que toco em seus rostos.”“Como deve ser mais fácil e muito mais satisfatório para você, que pode ver, perceber num instante as qualidades essenciais de outra pessoa ao observar as sutilezas de sua expressão, o tremor de um músculo, a agitação das mãos.”E Helen nos provoca:“(...) será que já lhes ocorreu usar a visão para perscrutar a natureza íntima de um amigo? Será que a maioria de vocês que enxergam não se limita a ver por alto as feições externas de uma fisionomia e se dar por satisfeita?”E agora, pergunto eu: por onde andam os olhos e a sensibilidade dos repórteres de hoje (naturalmente, com as devidas, porém raras, exceções), que não conseguem captar dos seus entrevistados nada além do nome e da idade? Nem com a fala eles se preocupam, já que para isso existe o gravador. E assim se perdem, para a narração, a beleza e a significância das entonações, das ênfases, das expressões, do ritmo, do estilo, da articulação entre palavras e gestual, dos enlaces entre a pessoa e o ambiente.

3. Acordar a criatividade

Nas fantasias de Helen Keller, o segundo dia de visão seria dedicado à observação da natureza – em especial o milagre da noite se transformando em dia, depois de, na véspera, ter rezado por um pôr-do-sol colorido. E visitaria museus, para “avaliar o mérito das linhas, da composição, da forma e da cor”. Iria também ao teatro, ao cinema, na esperança de ver “a figura fascinante de Hamlet” ou “o tempestuoso Falstaff”, em cenários elizabetanos. E para captar em plenitude a graça de uma bailarina, que a cegueira só vagamente lhe permitia imaginar.O terceiro dia seria passado no mundo do trabalho e dos negócios.“A cidade seria o meu destino. Primeiro, numa esquina movimentada, apenas olhando para as pessoas, tentando, por sua aparência, entender algo sobre o seu dia-a-dia. (...) Tenho a certeza de que o colorido dos vestidos das mulheres, movendo-se na multidão, deve ser uma cena espetacular. (...).”E termina assim a mensagem de Helen Keller:“Eu, que sou cega, posso dar uma sugestão àqueles que vêem: usem seus olhos como se amanhã fossem perder a visão. E o mesmo se aplica aos outros sentidos. Ouçam a música das vozes, o canto dos pássaros, os possantes acordes de uma orquestra, como se amanhã fossem ficar surdos. Toquem cada objeto como se amanhã perdessem o tato. Sintam o perfume das flores, saboreiem cada bocado, como se amanhã não sentissem aromas nem gostos. Usem ao máximo todos os sentidos; gozem de todas as facetas do prazer e da beleza que o mundo lhes revela pelos vários meios de contato fornecidos pela natureza.(...).”
Temos aí um belo roteiro para despertar e sacudir a criatividade jornalística, que a cultura dos manuais de redação anestesiou e deseducou. Ah!, como o hábito desses exercícios faria bem aos que têm a responsabilidade da narração jornalística, não acham?